sexta-feira, 16 de abril de 2010

Trágicas impressões: suicídio no jornalismo

Há quem chame de radical, eu prefiro dizer exato: jornalismo existe para trabalhar o que é público.

E as ações no meio privado que tangem à coisa pública? Que sejam esclarecidas por meios públicos, ora!

Este é o princípio, mas não exatamente minha questão. A inquietação começou há algum tempo, numa leitura de Zuenir Ventura. Em Minhas Histórias dos Outros, o autor traz de volta à tona o caso Pedro Nava, um conflito no jornalismo brasileiro.

Só para relembrar, Pedro Nava, conceituado memorialista de nossa literatura, suicidou-se após supostamente receber ameaças de um garoto de programa em tempos de completar seus 80 anos, em 1.984.

O que temos a ver com isso? Também não entendo muito ao certo, a vida era dele. Vida privada dele.

Pois bem, parece que Ricardo Setti, redator chefe da revista IstoÉ na época, também compartilhou deste senso. Os colegas Luiz Cláudio Cunha e Humberto Werneck discordaram, mas a decisão de Setti prevaleceu. O jornalista afirmou que preferiu poupar a família e a memória do escritor.

Agora vem o que chamei de conflito, anteriormente. Vinte e um anos após o silêncio de IstoÉ e Veja, Setti e Cláudio Cunha voltam a questionar a atitude passada.

No Observatório da Imprensa, podemos conferir o arrependimento dos jornalistas. Um livro de Zuenir e um papelão que eu fiz, foi como Ricardo Setti classificou o episódio. Já Cláudio Cunha, preferiu fazer O mea-culpa de Zuenir Ventura.

Por que questionar uma decisão acertada depois de tanto tempo?

Infelizmente, esta discussão ainda é nebulosa em nosso meio. Na academia, por exemplo, mesmo com a reflexão ética despertada, o assunto não adquire totalmente a atenção necessária.

Se o acordo de cavalheiros é respeitar o praticante de suicídio, contraditoriamente encontramos “notícias” sobre estes casos, principalmente na internet. Para o leitor que não concordar, aconselho realizar uma busca usando os termos suicídio ou jornalismo e suicídio como palavras-chave.

Quando relevamos o fator econômico, a meditação se faz mais densa. O próprio Setti admite a diferença de tratamento neste trecho de seu artigo: “[...] poupamos o Nava por ele ser o Nava. Se fosse um modesto jogador de futebol ou cantor, teríamos publicado.”

Neste ponto, temos duas falhas expressas, tratar a vida privada como notícia e pautar-se pelo poder aquisitivo simplesmente.

Sempre ouço comparações com o clássico caso Getúlio Vargas. Nestas ocasiões, concordo com a jornalista Leneide Duarte-Plon quando a mesma diz que a morte de Getúlio era um assunto de Estado. Getúlio se suicidou por motivos políticos. Não havia nada que justificasse o ocultamento da causa da morte.

Uma concepção mais atual não se restringe a estas justificativas e nem a de que não noticiamos para não induzir a prática. Não é só medo de um efeito Wheter”. A questão também é de saúde pública.

Eric de Carvalho, um jovem jornalista de Teresina, é autor do estudo “Suicídio nos Portais do Piauí – A transmissão da notícia”, e analisou registros de casos ocorridos em 2008.

O pesquisador alerta: “A mídia deve agir em parceria à saúde na tentativa de mudar o que estamos vendo. O número de pessoas que tiram a própria vida está aumentando, tende a aumentar e a imprensa tem que saber qual seu papel diante isto”.

A verdade é que dá vontade de cortar os pulsos neste ambiente de tanta miséria e pouca diversão, como diria Drummond. Talvez a cena mude quando veículos e jornalistas tiverem plena clareza de sua postura. Não apenas bom senso ou consenso. Precisamos de crítica e respeito ao ser humano.

Um comentário:

Mário Sioli disse...

Adorei o titulo "ANAgrama".
Só você mesmo, para transforma o comum em arte.
Adoro tu.
Beijos

PS: Parabéns pelo texto.