domingo, 4 de setembro de 2011

O céu...Os céus

"A lua vai estar cheia e no mesmo lugar". Foi assim que ela se despediu, se apropriando da canção. Exceto pela moça ao lado, que observava a outra em lágrimas e com escritos impressos em folha de sulfite, ninguém sabia que ela pensava na lua, no tempo, a dor de deixar algo novo e tão lindo, aquela poltrona de ônibus. Mas a lua estaria cheia e no mesmo lugar...

Uma nova parada, um telefonema. Benditos cartões telefônicos. Pena que as unidades vão tão rápido quando se liga para celular...Ah se não fosse a matrícula, o segundo ano, a volta. Ficar mais uma semaninha seria maravilhoso.  Mas um consolo tornou o resto da viagem mais tranquila, pelo telefone ela soube: "eu estava olhando para a lua e pensando forte em você quando a mensagem chegou".

A jovem não era mais a mesma. Algo muito grande estava começando naquele momento. O "te amo" tão audível e tão propício na hora de entrar no ônibus inaugurou a transformação: o amor chegou, impiedoso, com a beleza e a força do recente inverno. Coisa inesperada para um meio de ano.

O que ela não podia, e nem queria ter, era metade disso tudo. De fato ela não teve. As estações prosseguiram, a lua, tão feminina, prosseguiu com suas fases. O amor prosseguiu junto. Apesar de uma confusão ou outra, a moça se tornou mulher. Passou a planejar e desejar como mulher. Os olhos dela também contemplaram um rapaz se tornando homem. Os dois cresceram, ao menos era o que ela pensava.

Um ritual acompanhou o processo. Sem romantismo falso, sem romantismo barato:  sempre que se voltava ao céu, ela o enxergava e sempre que possível, compartilhava esta imagem. No entanto, quanto mistério, quanto revés. A lua cheia foi interrompida, minguou fora do lugar. E agora?

Em uma conversa muito íntima, ela me contou. De volta à mania de se apropriar da poesia alheia (já que ela deve ser de quem precisa e não de quem a faz), ela mencionou o trecho de um filme que tratava da história de um casal desfeito. "Às vezes, sozinho, ele olhando para o céu, pensava nela. E às vezes, sozinha, ela olhando para o céu, pensava nele. E assim, sem saber, os dois se relacionavam". Então, possa ser isso. Como no filme, mas ao contrário do que acontece em Chico, não é possível descartar a ação que não valeu, por mais que se queira.

Na cabeça dela há um universo, o universo paralelo e cruel do não saber. E ela realmente não sabe, mas talvez o céu dela seja de Ícaro e o dele de Galileu...Ou vice-versa.

3 comentários:

Volmir disse...

Grande texto, Ana! Falar de amor sem ser piegas é sempre um desafio, e vc conseguiu superá-lo! Lua, canções, céu (de Ícaro ou Galileu, como dizia Herbert), telefonemas, despedida, tudo é apresentado subjetivamente, desvelando isso que chamam de amor como a mais doce das confusões humanas. Sua escrita parece ser algo entre Clarice Lispector e Ivana Arruda Leite. Muito bom mesmo!

Unknown disse...

Ana vc é única... Mas não sei se quero mais ler seus textos. Quanto mais leio você maior fica a distância entre este poeta ignorante e esta jornalista brilhante.

Anônimo disse...

que texto fascinante... achei por acaso e me encantei... linguagem simples e sentimentos exalando uma tristeza sutil, digna dos melhores poetas... Parabéns!