sexta-feira, 27 de julho de 2012

Vento no Litoral

Era fim de tarde. Final do expediente. Hora de ir para casa, mas antes o rapaz resolveu ver o mar que conhecera pela primeira vez ao lado de sua amada. Inesquecível, se lembrou.

Chegando às areias que não se sabe se eram de Ipanema, Leblon ou Copacabana (ele nunca soube distinguir), o jovem pôde sentir o vento forte que percorria o litoral. Resolveu subir nas pedras para esquecer, depois entrou na água e deixou uma onda lhe acertar. Foi tudo como na primeira vez.

Caiu em si, se enxugou com a camisa e seguiu em frente para o conforto do lar. Ao adentrar em sua casa percebeu tudo tão distante e sentiu em cada cômodo daquele lugar um pouco do sorriso da menina que amava e que há tempos ali não mais pisava. “Dos nossos planos é que eu tenho mais saudade”, balbuciou.

Também se recordou de como fazia para descobrir de qual praia determinado grão de areia pertencia. Funcionava assim: ele olhava nos olhos da garota e perguntava. Ela sorria, respondia e então os dois se beijavam como se a pergunta tivesse sido um pedido de casamento. Na verdade, o lugar pouco importava, ele queria beijá-la. Os olhos de ambos denunciavam a alegria de estarem juntos.

Aqueles olhos que juntos se voltavam sempre na mesma direção, agora estão distantes, culpa dele. Com saudades, ele se questionava enquanto observava uma foto da menina: aonde está você agora além de aqui dentro de mim? Ela fazia falta. Ele não tinha notícias.

Seu coração chorava, sentia-se pequeno. O pequeno menino queria crer que agira certo ao renegar todos os planos que sempre sonhou ao lado dela. Apegou-se à tese de um médico canastrão chamado Tempo. Diziam que ele curava tudo, mas foi o mesmo quem errou.

Ainda parado na porta da sala, segurava a camisa que havia ganhado de sua grande paixão e pensava em ler o livro chegado pelas mãos da mesma pessoa. Então, fugindo das lembranças, correu para a cozinha tomar um café... todas as xícaras foram presentes da menina. “Vai ser difícil sem você, porque você está comigo o tempo todo”, disse em voz baixa.

Observador que é, o jovem agora voltou seus olhos para o espelho e, apesar de toda a barba e os castigos de um dia de trabalho, pôde perceber que ali ainda havia de existir aquele menino que sempre gostou de ser, mas que o canastrão médico Tempo o fez esquecer.

Lembrou-se novamente do mar, uma das tantas coisas que conheceu a lado dela, e percebeu que era bobagem se entregar à frustrada decisão que havia tomado, continuar com isso era uma asneira. Não se sentia bem e decidiu reviver o garoto que sempre quis ser.

Pode ver o quanto havia sido fraco, covarde e o quanto era dependente dela. Sem ela, suas decisões o levaram ao desespero. Sentia-se sem um braço... na verdade, sem coração. Precisava dela porque sabia que ela era a única pessoa em quem podia confiar, viu que sem ela estaria condenado às lembranças de uma vida com saudade e não haveria de existir sentido a palavra Família.

Mas, para completar sua história e assim reviver o menino que se perdeu no Tempo, o jovem precisa dela. Ele reconheceu seu erro e pediu ajuda ao seu grande amor para completar o conto... Com medo e triste, mas ao mesmo tempo decidido, perguntou a ela se poderiam escrever a quatro mãos o final da história. Só que nem tudo era simples como o jovem imaginava.

''Tá tudo bem''. Ela repetia para si mesma. Mulher é assim, quando quer acreditar simplesmente acredita. A afirmação dentro da cabeça , que por sua vez estava a mil, era dicotômica: o universo virou, mas Deus sabia aonde ela iria se encaixar.

Foi assim que se passaram os meses. Coisa típica do sexo absolutamente nada frágil, a moça teve passo firme. Firmeza nos projetos, nas amizades e, sobretudo, no fato de nunca criar expectativa, nunca depender, apenas caminhar. ''Mesmo que nada mude, vou continuar contigo'', repetia toda vez que chamava Deus.

E na lógica do ''tô contigo e não abro'', o Altíssimo retribuía o esforço aos poucos. Alguns sorrisos com a turma, esperança de se mudar para Niterói, de conhecer alguém especial bem longe, ou bem perto, até chegou a elencar possibilidades. Redescobriu o valor da família, do próximo, da fé.

E na hora de dormir? Muitas noites foram um tormento.  Garganta atada, travesseiro encharcado de lágrimas e gritos absorvidos. Ninguém podia ajudar. Isso era para se passar sozinha. A saída? Conversar com Deus até cair no sono. Ser sincera. ''Me faça dormir, preciso de paz''.

A coisa complicava mais quando estava na internet. Tantos amigos, tantas informações para se pedir, tantas fotos a serem descobertas. ''Não. Não fui feita para isso''. Surpreendeu a si mesma, sobretudo a si mesma. Ninguém poderia imaginar de onde saía tamanha determinação.

Contudo, vale ressaltar que determinação não é sinônimo de aminésia. Às vezes um sonho, um lapso, um lugar, até mesmo uma xícara vinha lembrar. Como ela desejou conseguir odiar, conseguir nunca ter existido. Sem superdimensionamento. Desejava não precisar amar. ''Se for pecado, deixa eu amar outro então'', blasfemou.

Dentre as coisas mais tristes estava  admtir frase indigesta proferida por um grande amigo. Um primo que chamava de ''papi'' disse uma vez que ''nada é para sempre e ninguém é de ninguém''. Ela sempre achou a afirmação um absurdo, um despautério, desde que a ouviu quando tinha uns 15 anos. ''Será que o papi está certo? Não admito!"

Não admitir foi boa estratégia. Dizem que somos o que pensamos...Pois bem, retorna-se ao raciocínio: mulher é assim, quando quer acreditar simplesmente acredita. E a moça realmente acreditava que o papi não tinha razão, apesar de se flagrar remoendo a conversa.

Em uma viagem para Goiás, finalmente despertou. O lugar não visto há muito tempo, os familiares distantes agora tão próximos e o clima fraternal geraram um conforto bastante interessante. ''Se ele estivesse aqui, talvez me fecharia para tudo. Ficaria presa, não enxergaria o que tenho''. Serena e por quê não, feliz? Essa era a sensação.

O regresso teve direito à conexão na casa do cunhado até retornar com a irmã para o Paraná. Novamente, sem esperar absolutamente nada, o celular trazia de volta o que tinha se tornado pesadelo. Não conseguiu conter a mensagem e contou à irmã. Estava surpresa e triste. Tristeza multiplicada infinitamente, sem exageros.

Quer dizer que além de toda a crueldade já sentida houve outra? Sentiu-se violada. Foi como ruminar os abraços, os carinhos, os sussurros e os beijos. Ah, os beijos! Quanta amargura. Tudo o que sentia como extensão dela remetido a terceiros abraços, terceiros carinhos, sussurros e beijos.

Ódio maior foi descobrir que a tese elaborada falhou. ''Se eu soubesse que esteve com outra, eu o odiaria tanto que seria bom. Esqueceria de vez''. Sorte que não se tratava de uma tese de doutorado. Não chegaria nem à sombra do título. Para seu espanto, o amor conservara uma fatia muito pura e ao mesmo tempo muito frágil dentro dela.

Pedacinho de amor que foi somado ao medo, ao remorso, ao orgulho, à decepção, à vergonha diante das outras pessoas, à desilusão. No entanto, ele soube usar brechas para alimentar o que tinha sobrado. Dizer que ele foi quem passou a não dormir, a clamar a Deus pelo sono, a desejar não existir fez com que a moça refletisse sobre como se sentiria ao lidar com o ''nunca mais'' outra vez.

Foi então que entendeu. Mesmo sem merecer, o rapaz contou com as orações da jovem. ''Deus, não o peço para mim, mas peço para que o guarde, para que lhe mostre o caminho''. Ela mesma não acreditou que pudesse ser isso, uma prece atendida. O retorno era algo tortuoso e dolorido. As histórias de amor nos livros e filmes não são assim.

Não são mesmo. A vida é. A vida é cheia de provas. Prova de que o amor ainda existe e vence tudo, ela se arriscou a terminar um conto com ele e anda escolhendo vestidos de noiva. Por sua vez, o rapaz ergueu uma casa e sai por aí anunciando festa, filhos e um lar enquanto os dois passeiam juntos na praia.

Nenhum comentário: